Quem são os cegos de Saramago?

Ao começar a ler Ensaio sobre a cegueira de José de Sousa Saramago, lembrei-me imediatamente de um conto de Antônio Alcântara Machado (1901- 1935), intitulado “Apólogo brasileiro sem véu de alegoria”, este conto narra o episódio inusitado de um trem que parte da cidade de Maguari rumo à Belém e no decorrer da viagem ocorre uma rebelião motivada pela falta de luz nos vagões, paradoxalmente o líder da rebelião é um cego. A primeira reação do leitor, diante do procedimento do cego é a de estranhamento. Como pode um cego queixar-se porque não há luz? O leitor, então, começa a perceber o caráter alegórico da narrativa, diferentemente do que preconiza o título. A narrativa, pois, se propõe a discutir o grau de consciência social das pessoas, e nesse sentido, levar o leitor a uma reflexão.
O tom doutrinário e irônico do conto permitem-nos traçar um paralelo com o texto de Saramago. Em Ensaio sobre a cegueira, o autor imagina uma onda de cegueira “branca” que se espalha por toda uma cidade. A conseqüência desastrosa dessa epidemia insinua o implícito de uma cegueira moral.
Na verdade, o que Ensaio sobre a cegueira faz é mostrar o que nos acontece na realidade: nós estamos moralmente cegos. “Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem” (p.310).
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